Já tava bem confortável com meu amigo
cão num sonho da madrugada, até que começou mais um episódio
daqueles que a gente não pode deixar de anotar assim que acorda. No
início parecia um grande palco de ensaio, bastidores, urdimento,
coxias. Uma banda se organizava para ensaiar naquele espaço, a música
era bastante familiar – a banda também. Dois sujeitos de terno
foram mais ao fundo e rodeei-os como se tivesse uma câmera ficcional
subjetiva. Eles conversavam algo conclusivo em voz baixa.
Então, tudo posto e entendido
após esta introdução com cara de making of, aqui é que começa a
história. Primeiro o lugar é contextualizado: plano geral de um
pequeno edifício cinza solitário, sem vizinhos. Não dava pra
entender quantos pavimentos eram, no máximo consegui perceber quatro, cinco
andares contando as janelas.
Lá dentro, em um dos cômodos começava o que rapidamente identificaria como um 'laboratório de resistência.' As pessoas estavam ali contra a demolição do prédio e a remoção de seus moradores. E a banda que se propunha a compartilhar suas composições e letras, desdobrar novos arranjos a partir daquela experiência, era nada mais nada menos que os Beatles.
Lá dentro, em um dos cômodos começava o que rapidamente identificaria como um 'laboratório de resistência.' As pessoas estavam ali contra a demolição do prédio e a remoção de seus moradores. E a banda que se propunha a compartilhar suas composições e letras, desdobrar novos arranjos a partir daquela experiência, era nada mais nada menos que os Beatles.
Pessoal, posso dizer que os rapazes
eram muito legais, especialmente John e George. Bom, talvez os outros
dois não estivessem lá, pensando bem. A coisa corria bem num clima
de jam session, e nem um certo clima tenso no ar tirava a leveza e o
foco das tarefas, o trabalho era de troca e era sério – de maneira
que sabíamos que em algum momento chegaria a 'força da lei'. Contudo, isso nem de perto era uma expectativa. Adorei dar uns pitacos em
Across the universe e The fool on the hill, e até riram quando
perguntei de iam tocar Hey jude, 'meio chatinha, né?' Ufa, que
alívio.
Quando a polícia chegou, pus a cabeça
pra fora – uma janela velha com moldura de madeira já descascada–
e lá estavam eles em boa parte da rua, os robocops do choque. Todos
ali dentro mantiveram a tranquilidade. Na verdade continuavam
indiferentes ao que se passava lá fora. Percebi então que a tarefa
de descer era minha. O sisudo oficial de sei-lá-qual-a-patente com
roupa de guerra e capacete queria dizer alguma coisa do tipo 'vamos
invadir'. Eu fui rápido, com a cara que acusava a estupidez dele:
'tá maluco, mané, não tá ouvindo? São os Beatles!'
Lembro vagamente de mais pessoas chegando ao tal ensaio, mas 'encorpadas' (talvez fossem os policiais) que se agregavam ao ritual. Ninguém saiu.
Lembro vagamente de mais pessoas chegando ao tal ensaio, mas 'encorpadas' (talvez fossem os policiais) que se agregavam ao ritual. Ninguém saiu.
Antes de acordar, li uma carta que
deixaram. Fiz isso enquanto desproduziam o local. 'Tivemos
realmente uma experiência muito boa, foi muito produtiva. Se muitas
vezes não transparecemos isso, nos desculpem, é porque estávamos
apenas muito cansados.'
Acho que a casa permaneceu em pé.
Acho que a casa permaneceu em pé.
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