20.10.09

se fizer bom tempo amanhã

sentimentos e abduções


chove no rio de janeiro; chove uma chuva de seda.

a paisagem congelou dentro de um painel amanteigado de papel para presentes.
daqui vejo a história oficial iluminada, lá em cima do morro,
e um friozinho de mentira que só serve mesmo pra contar vantagem.
não é nada sério, só uma impressão de natal.

o resto, tudo normal para a hora e para uma noite mineral:
alguns uivos mansos de carros distantes; a ilusão de ouvir as ondas do alto do catete; uma sinfonia de cricris lá fora; o efeito da maresia no cheiro do tijolo molhado; as cadeiras que não estão nas calçadas; as janelas sérias, circunspectas; poças, pensamentos e o tempo;
é, acho que é isso, talvez seja o tempo.

há uma densidade curiosa no ar. chove na cidade maravilhosa, os cães não ladram e mesmo assim a caravana não dorme. longa mesmo é a madrugada como a de ontem, quando peguei um fanzine chamado kombi, de onde vi das janelas em quadrinhos algumas esquinas que só percebemos de noite (dependendo de onde você estiver, é possível que não reconheça o próprio lugar onde vive). nunca os viadutos foram tão sinuosos, e cada palavra dita era uma multidão. éramos poucos, mas de número suficiente para compartilharmos nossa solidão no caminho para casa. então isso logo passou. como a kombi não era minha, tive que acabar o percurso a pé, num silêncio insone. por onde andava, parecia não haver sombras.

agora estou aqui, na beira de uma das minhas duas margens. dou um suspiro de felicidade ao fitar pela janela nova. acho que nada nem ninguém desafiará meu sono agora. por exemplo, neste exato momento acabei de descobrir que temos uma mosca noturna na região. quero dizer, tínhamos.

o dia ficou tarde e o erário de verão chegou.

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