26.11.08

auto-retrato, 1



quando criança, preferia uma resma de papéis e um punhado de canetas ao invés da TV. nem por isso perdi os meus programas preferidos.
pipocas antes dos filmes me ensinaram que deles não devemos esperar grandes coisas antecipadamente.
aceito conselhos de trailers. outro dia recebi este: 'nossas expectativas podem nos cegar'.

não ouço com orelhas de livro.
meus caminhos são meus pés e o fogo anda comigo.
faço fotografias cheias de letrinhas, palavras para alimentar os olhos.
folião patrimonial do rio, a cidade é maravilhosa e é a minha língua, meu gosto, minha terra, minha alma salgada. o coração está no mar. a cabeça, costumo esquecê-la onde está.

um peixe embrulhado com bukowski, uma bisnaga para o café da manhã, apostas brancas e henry miller. não sei o nome das coisas, mas elas me conhecem. tenho uma profunda intimidade com os símbolos, por isso muito provavelmente posso estar enganado.

viver é um barato.

acho que envelhecerei ao contário, igual ao poetinha.
sou magro desse jeito, porém se bobear viro um boto. sei imitar o som do flipper.
aprendi a tocar pente e, um dia, serei o regente da maior orquestra de instrumentos metacapilares do hemisfério sul, com direito a uma apresentação popular e democrática no parque do ibirapuera.

quando faço confusão é apenas o incrível exército de brancaleone.
libertei minha biblioteca. as palavras que sustentava até agora que se virem. isso inclui até o baú das vãs filosofias.

sou filho de genovês e faço um pesto que respeita meus ancestrais.
saravá, meu pai.
ninguém pode explicar a vida num samba curto.

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21.11.08

duas coisas bacanas para o fim de.


algum tempo sem postar nada por aqui, mas ao menos retorno com duas dicas quentes.

pra quem vai subir a serra nesse sábado, tem o zé nogueira quinteto, que lança no sesc quitandinha o álbum carta de pedra, com composições do guinga.

e ainda dá tempo de ver a ocupação orquestra improviso no gláucio gil em copa, com a genial tempo. depois, com rodrigo nogueira (o texto também é dele) e fernanda félix, direção da alessandra colasanti.





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7.11.08

meu querido diário



Cheguei no primeiro de outubro em São Paulo, uma cidade do tamanho de Luís, Fernanda, José, Pedro, Valéria, Débora, Mauro, Rafaela.

Os sons da paulicéia emolduravam uma pauta de alguns dias e,
sobre o Guri Santa Marcelina, sabia um pouco mais do que isto:
um programa social baseado no ensino musical.

Também lembrava que ‘guri’ significa ‘bagre novo’,
ou algo próximo de ‘peixinho’, numa interpretação mais livre.

Já ouvira falar dos centros educacionais unificados
(e com toda a licença poética, verdadeiros céus de oportunidades implantados em regiões de baixa renda).

Ali, convivi alguns dias com uma pequena parte dos 6500 estudantes de 6 a 18 anos que freqüentam cursos de iniciação musical, canto, instrumentos, prática e teoria: Maria e Luciana, Sérgio e Vanessa, Marquinhos, Patrícia, Bruno, Jacque, Amanda.

Não demorou muito para me sentir embalado pela música que nasce e cresce naqueles lugares.

A petizada tinha nos olhos uma alegria de soltar pipa.
Uma alegria que me fez fotografar sem uma tola idéia de invisibilidade. Uma alegria de guri.

A luz quente dos corredores do CEU Vila Curuçá acalentava
o foco.

Quando emprestamos nosso olhar ao novo, reinventamos e sugerimos novas oportunidades de reconhecimento.

O Maxwel sabia disso: –
Experimenta o trompete, vai.

Era uma mão estendida na forma de instrumento de sopro.
E soprei como avivo um pente nas brincadeiras lá de casa (
ah, vai, não sabia que se tira música de pentes?).

O Felipe acreditou: “– Tá, então faz bico, mas não cospe.”

Quando dei por mim, já estava transformado pela Paulinha e pela Dri, pelo Alex, Fabinho, Neca, Lina, Fabí, Gui, Luizinho, Tatá, Juninho, Zezinho, uma pequenada que não se apequena, e que me fez sentir parte dessa notação gigante. Incluído.

Isso faz todo o sentido. Não há inclusão em um ambiente unilateral. Só há inclusão quando permitimos a troca.

Interagir é se compreender em outros universos, e a possibilidade de se relacionar com o outro tem poder de transformação.

Porém, não se muda a realidade sem querer.

O que o Guri Santa Marcelina faz na sua missão de inclusão sociocultural é ampliar a visão de futuro que estimula a mudança de paradigmas, ensinando música em um contexto de infinitas possibilidades sem perder a excelência artística.

Seo Vital é morador da região do CEU Veredas onde, junto com alguns alunos do programa empunhados de pandeiro, surdo e triângulo, não fazia a menor cerimônia em levar um forró arretado.

Outro dia, a garotada do CEU São Mateus se vestiu de coral na Verbo Divino, uma casa onde o pessoal da melhor idade recebeu a menoridade cantante.

No trajeto até lá, parecia que era o micro-ônibus musical que descortinava as ruas do Jardim Conquista, todas com nomes de composições populares.

Uma das vias principais revelava: ‘
somos todos iguais.’

Chegamos. Cantaram. Aplausos alvissareiros e, depois, um lanchinho com simpatias.

Não demorou, e o
Seo Galastro soltou a voz acompanhado pela professora Gabriela no teclado.

A opinião era comum: – Ele é sempre assim, o dia inteiro. Tem dia que a gente não agüenta, mas hoje está bem.

Seo Galastro era, então, somente mais um entre os outros tantos guris do dia.

São exemplos de como comunidade e instituição convergem,
na prática.

Isso também acontece nas aulas-espetáculo, normalmente apresentadas nos amplos e confortáveis teatros dos centros educacionais.

Vagner, Renato, Ludmila, Nadir, Nestor, júlio, Marcinho, Vadinho, Tadeu, Marilene, André, todos se divertiam e aprendiam com o chorinho, com Pixinguinha, Sinhô, maxixe, valsa-samba,
Na Glória!

Lucila apresentava um retrato de Ernesto Nazaré.

Na foto, o autor da peça que seria apresentada a seguir usava um belo bigode à chomberga.

Além de compositor, vcs não notam nada diferente nele? Ele não parece com outra coisa?

Alguém da platéia gostou mais da gravata-borboleta:
‘–
Um garçom!’ Risos.

‘–
Parece um pintor!’, sugeriu outro, provavelmente recordando Dali e levando à mesma categoria todos os portadores de bigodes, sem distinção de aspecto, desde que farto.

‘–
Pintor nada, ele é compositor mesmo!', decreta o realista.

‘–
E essa cara de louco, como alguém disse aí?

Sim, você pode ser louco por música. Como Fabiana, Luciana, Felipe, Maxwel, Beto, Josimara, Guilherme, Ângelo, Anderson, Maurício, Djalma, Karen, Jonathas, Brandon, Eder, Higor, Jennifer, Sayuri, Juliana, Miriam.

Você pode descobrir novas formas de fazer música, mas também aprender a ouvir a música dos lugares, a música que está dentro de cada um, e que nos faz crescer.

Você pode ser branco, preto, amarelo, vermelho, roxo,
um arco-íris ou um retrato em preto e branco.

Você pode manter o respeito, gostar de intercâmbio e de
idéias novas.

Você pode sonhar. Você pode ser o que você quiser.
Até mesmo um guri.


programa guri santa marcelina
veja o ensaio fotográfico aqui.

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