7.11.08

meu querido diário



Cheguei no primeiro de outubro em São Paulo, uma cidade do tamanho de Luís, Fernanda, José, Pedro, Valéria, Débora, Mauro, Rafaela.

Os sons da paulicéia emolduravam uma pauta de alguns dias e,
sobre o Guri Santa Marcelina, sabia um pouco mais do que isto:
um programa social baseado no ensino musical.

Também lembrava que ‘guri’ significa ‘bagre novo’,
ou algo próximo de ‘peixinho’, numa interpretação mais livre.

Já ouvira falar dos centros educacionais unificados
(e com toda a licença poética, verdadeiros céus de oportunidades implantados em regiões de baixa renda).

Ali, convivi alguns dias com uma pequena parte dos 6500 estudantes de 6 a 18 anos que freqüentam cursos de iniciação musical, canto, instrumentos, prática e teoria: Maria e Luciana, Sérgio e Vanessa, Marquinhos, Patrícia, Bruno, Jacque, Amanda.

Não demorou muito para me sentir embalado pela música que nasce e cresce naqueles lugares.

A petizada tinha nos olhos uma alegria de soltar pipa.
Uma alegria que me fez fotografar sem uma tola idéia de invisibilidade. Uma alegria de guri.

A luz quente dos corredores do CEU Vila Curuçá acalentava
o foco.

Quando emprestamos nosso olhar ao novo, reinventamos e sugerimos novas oportunidades de reconhecimento.

O Maxwel sabia disso: –
Experimenta o trompete, vai.

Era uma mão estendida na forma de instrumento de sopro.
E soprei como avivo um pente nas brincadeiras lá de casa (
ah, vai, não sabia que se tira música de pentes?).

O Felipe acreditou: “– Tá, então faz bico, mas não cospe.”

Quando dei por mim, já estava transformado pela Paulinha e pela Dri, pelo Alex, Fabinho, Neca, Lina, Fabí, Gui, Luizinho, Tatá, Juninho, Zezinho, uma pequenada que não se apequena, e que me fez sentir parte dessa notação gigante. Incluído.

Isso faz todo o sentido. Não há inclusão em um ambiente unilateral. Só há inclusão quando permitimos a troca.

Interagir é se compreender em outros universos, e a possibilidade de se relacionar com o outro tem poder de transformação.

Porém, não se muda a realidade sem querer.

O que o Guri Santa Marcelina faz na sua missão de inclusão sociocultural é ampliar a visão de futuro que estimula a mudança de paradigmas, ensinando música em um contexto de infinitas possibilidades sem perder a excelência artística.

Seo Vital é morador da região do CEU Veredas onde, junto com alguns alunos do programa empunhados de pandeiro, surdo e triângulo, não fazia a menor cerimônia em levar um forró arretado.

Outro dia, a garotada do CEU São Mateus se vestiu de coral na Verbo Divino, uma casa onde o pessoal da melhor idade recebeu a menoridade cantante.

No trajeto até lá, parecia que era o micro-ônibus musical que descortinava as ruas do Jardim Conquista, todas com nomes de composições populares.

Uma das vias principais revelava: ‘
somos todos iguais.’

Chegamos. Cantaram. Aplausos alvissareiros e, depois, um lanchinho com simpatias.

Não demorou, e o
Seo Galastro soltou a voz acompanhado pela professora Gabriela no teclado.

A opinião era comum: – Ele é sempre assim, o dia inteiro. Tem dia que a gente não agüenta, mas hoje está bem.

Seo Galastro era, então, somente mais um entre os outros tantos guris do dia.

São exemplos de como comunidade e instituição convergem,
na prática.

Isso também acontece nas aulas-espetáculo, normalmente apresentadas nos amplos e confortáveis teatros dos centros educacionais.

Vagner, Renato, Ludmila, Nadir, Nestor, júlio, Marcinho, Vadinho, Tadeu, Marilene, André, todos se divertiam e aprendiam com o chorinho, com Pixinguinha, Sinhô, maxixe, valsa-samba,
Na Glória!

Lucila apresentava um retrato de Ernesto Nazaré.

Na foto, o autor da peça que seria apresentada a seguir usava um belo bigode à chomberga.

Além de compositor, vcs não notam nada diferente nele? Ele não parece com outra coisa?

Alguém da platéia gostou mais da gravata-borboleta:
‘–
Um garçom!’ Risos.

‘–
Parece um pintor!’, sugeriu outro, provavelmente recordando Dali e levando à mesma categoria todos os portadores de bigodes, sem distinção de aspecto, desde que farto.

‘–
Pintor nada, ele é compositor mesmo!', decreta o realista.

‘–
E essa cara de louco, como alguém disse aí?

Sim, você pode ser louco por música. Como Fabiana, Luciana, Felipe, Maxwel, Beto, Josimara, Guilherme, Ângelo, Anderson, Maurício, Djalma, Karen, Jonathas, Brandon, Eder, Higor, Jennifer, Sayuri, Juliana, Miriam.

Você pode descobrir novas formas de fazer música, mas também aprender a ouvir a música dos lugares, a música que está dentro de cada um, e que nos faz crescer.

Você pode ser branco, preto, amarelo, vermelho, roxo,
um arco-íris ou um retrato em preto e branco.

Você pode manter o respeito, gostar de intercâmbio e de
idéias novas.

Você pode sonhar. Você pode ser o que você quiser.
Até mesmo um guri.


programa guri santa marcelina
veja o ensaio fotográfico aqui.

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2 comentários:

Anônimo disse...

:)

Estou muito feliz por você ter tido essa experiência. As fotos são lindas. Parabéns, querido!

Anônimo disse...

Muito legal esse projeto que você está participando e o objetivo que ele mostra para as pessoas. Mostrar que todos são iguais e que a música é importante também para as pessoas crescerem na vida.
To muito orgulhoso de ver você participando desse projeto super bacana.As fotos ficaram demais,a exposição mais ainda.

Grande beijo