31.12.08

ticket













os dias passearam sem que dessem a chance de reencontrar os meus passos.
quando aportei em mim novamente a salinidade do verão, descarreguei um amor eterno enquanto céu.
eu vi, virei, toquei um samba e era meio-dia, o tempo me ensinou a dançar tanto que virou bossa e durante isso tudo reaprendi a cantar a música que sabia que existia em mim, ali, viva, de um presente comicamente germinal.
quantas vezes abri os olhos como se fosse a primeira vez na imensidão.

abracei a paixão das estações e, enfim, aprendi a primeira lição dos navegadores.
o que é preciso e o que não é, mas descabidamente bom.

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18.12.08

a volta do fabuloso homem-caixa, parte 2












resumo do capítulo anterior : clark é um hamster bipolar elétrico e obsoleto que fuma escondido dos pais, dois abajures viciados em pôquer. decide, então, entrar para a terapia aeróbica da rodinha, mas logo percebe que assim sua vida nunca sairia do lugar. para se livrar da conta alta da análise, organiza orgias multi-raciais e arranja um emprego. influenciado pelos colegas invejosos do trabalho, experimenta uma droga lisérgica de procedência duvidosa. a partir daí, os flashbacks de clark são constantes: não raramente ele se vê como uma indestrutível caixa de papelão-craft.

o relógio na parede nem apontava as duas da madrugada e o café já havia congelado na garrafa térmica. sobre a mesa de fórmica, algumas poucas migalhas de um biscoito de gergelim faziam o banquete de trêmulas formigas urbanas. 'duas pequenas janelas', pensava clark olhando para o nada exterior, 'duas escotilhas e eu naufragando do lado de dentro. maldita labuta noturna. maldita ironia da vida, como posso ter virado um montador de caixas quando sempre fui um débil com trabalhos manuais?' e interrompe o pensamento ao descobrir uma tesoura. fez-se um silêncio abrupto e seco. havia uma ferida lá no fundo daquele corpinho de roedor sem revisão há pelo menos dez anos. tomou coragem e encheu o copinho roto de plástico com a sobra de café, chupou a cara de desgosto e desapareceu porta afora.

simone b., uma berinjela de curvas extravagantes, não é o que poderíamos chamar exatamente de pitéu. executiva de ascensão meteórica (desde que chegara à sede da olimpo, uma bem sucedida empresa de design de códigos de barras, galgara o posto de diretora-presidente em apenas três dias), sempre esteve à parte dos ruidosos comentários maldosos sobre as supostas habilidades físicas específicas que levaram-na a alcançar tal feito. 'ela é muito boa no que faz', diz seu protetor, principal acionista e decano da corporação, 'tudo inveja sobre uma moça fina com tantos dons'.

a queda da portaria 3214 da lei 6514 (que regulamentava a obrigatoriedade de técnicos especializados no manuseio de hamsters) e a crescente oscilação da bolsa de valores de cingapura eclodiu a famosa greve do papelão – para muitos, uma manobra de interesses para encobrir o letígio lexicográfico de gênero movimentado contra autores de novelas de vanguarda.

mal começara o seu desjejum e simone b. não entendia muito bem o personagem estampado nas primeiras páginas dos jornais da metrópole, um estranho franzino encorpado num grosso casaco de pele de vison em pleno verão da baía de san sebastian. com um megafone na mão e algumas idéias e frutas tropicais na cabeça, aquele sujeito acangulado e de olhos tristes parecia um paladino sem abadá atrás do seu trio-elétrico. para ela, nada daquilo que ele vociferava fazia sentido: palavras e conceitos démodés como luta de classes, alíquotas sobre seguros contra incêndio e velotrol. a partir daí, nunca mais esqueceria a fisionomia e o nome de clark.

foi então que simone b. decidiu se fantasiar de pandora no carnaval.

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